Tecendo - Um olhar


Selda Pessoa

Augusta volta do intervalo - primeiro dia após a licença maternidade encurtada. “Ela está bem”, pensa. “A moça é jovem, mas sabe cuidar de bebês”. Tenta retomar a concentração e reza baixinho, se perguntando se existe Deus para todo tipo de mães.

Percebe a falta que sentiu de sua máquina. Lá estão elas, as costuras complexas, que nenhuma outra consegue fazer. Sente prazer quando vê se realizar uma blusa, um vestido.
Ganha menos que as demais costureiras, desde que começaram a pagá-las por produtividade. Pediu para fazer algumas peças simples também, teria mais dinheiro. “E quem vai fazer as roupas difíceis”? Foi a resposta da nova gerente.

Está fazendo acabamento manual, quando avista Dona Julia, passando apressada pelos corredores entre as máquinas. Lembra de quando a ajudava a guardar os rolos de tecido. Ela dizia que Augusta seria uma boa costureira, como sua mãe. Sorria para a menina, que se esforçava cada vez mais, por aquela mulher generosa.

Ajudou quando sua mãe se aposentou por invalidez, a coluna estragada pelas horas diárias de costura. Mandou cesta básica e começou a pagar um salário para Augusta. Jovem ainda, ficou grata, só não pôde continuar os estudos.

Dona Julia passa por ela e esbarra em um tecido que cai. Se volta para pegar e olha para Augusta. Da mesma forma que olhou para o tecido que caiu. Augusta sorri, mas ela apenas continua seu trajeto apressado. A antiga patroa querida desaparece pela oficina, hoje bem maior que aquela pequena sala na periferia.

Nesse momento, Augusta compreende. Ela não a enxerga mais.

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Selda Pessoa

E-mail: selda.pessoa@icloud.com

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