Aprendendo a existir


Selda Pessoa

Foi uma estranha sensação. De repente, aquilo que até agora o mantinha quentinho e protegido, começou a sufocá-lo. Começou a sentir-se apertado - foi quando notou que podia sentir. Jamais se havia notado; agora, finalmente, ele percebeu que existia, e que tinha que sair dali. Era o momento de nascer.

Sentiu as diversas partes de seu corpo, e notou que seu biquinho podia ajudá-lo. Quem observasse de fora veria, naquele momento, o pequenino ovo começar a rachar-se e, algum tempo depois, aquela indefesa criatura aparecer, ainda sem penas, com uma pele fininha e um olhar amedrontado.

Abriu pela primeira vez seus olhinhos. A luz do sol, a princípio, lhe incomodou, mas logo tornou-se útil, ajudando-o a ver o local onde nascera. Sentiu a quentura do seu ninho, a brisa suave. Notou o balançar das folhas, as formiguinhas que caminhavam pelo galho e, erguendo um pouco mais sua cabecinha, podia enxergar o lago brilhante e as belas flores abaixo de si.

Mas logo algo muito estranho começou a incomodá-lo. Pela primeira vez, na sua recente vidinha, sentiu medo. Ele agora estava livre do ovo, mas como enfrentar a natureza? Tremia, todo encolhido, com os olhos fechados, quando sentiu algo abrir seu delicado biquinho, alimentar-lhe e fazer-lhe sentir-se seguro. Vagarosamente abriu os olhos e pôde enxergar sua mãe, forte e bela, olhando-o com ternura.

Dali em diante tudo ocorreu mais rapidamente. Logo estava coberto de penas, com mais firmeza em suas perninhas, e já podia, sozinho, ingerir as minhocas e sementes que a mãe deixava no ninho. Até que, numa tarde quente, soltou seu primeiro “Bem-te-vi”, e com a força e coragem que a natureza lhe trouxe, levantou seu primeiro voo. No início lento e pesado, depois leve e ligeiro, por sobre as árvores, lagos e animais, aquela bela floresta que, como ele, teve que aprender a existir.

E quem olhasse de fora agora veria uma criatura frágil e delicada, mas ao mesmo tempo livre, corajosa e magnífica, voando sobre o mundo e trazendo a todos e meiguice do seu canto, a beleza do seu voo e a paz da sua existência.

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Selda Pessoa

E-mail: selda.pessoa@icloud.com

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