Selda Pessoa
Chego cedo e já estou com a linha no pino do carretel, quando as outras começam a entrar. Me beijam e cumprimentam carinhosamente. Dois lugares permanecem vazios.
Nara, a gerente, começa a falar, com sua voz fina e cortante, sem expressar nos olhos, nem na face, as emoções das palavras.
- Bom dia! Carolina e Teresa, meninas esforçadas, mudaram de turno para estudar...
Não consigo acreditar no que ouço. Minhas mãos começam a tremer. Pego alfinetes e enfio na coxa, tentando me conter e conter o choro. Cubro o sangue com o tecido caro. Ignorada outra vez.
Lembro das minhas mãos pequenas aprendendo a costurar. Dona Julia, patroa querida, precisava de ajuda. Minha mãe ficou grata, mais uma costureira e uns trocados. Oportunidade de trabalho para uma família pobre.
Olho para o pano marfim, manchado de sangue, e sinto prazer. Não vai ficar assim. Me surpreendo com a crueldade dos meus pensamentos.
Funcionária dedicada. Mãe que mal pode cuidar de sua única menina, delegada a uma jovem inexperiente. Inevitável o acidente, a cicatriz em seu rosto. Tentei, mas Nara me avisou para não insistir mais na troca de turno. “Esforçadas.”
Todos precisam pagar. Imagino cada detalhe. Tomo a decisão. Sim, não poderei mais voltar atrás. Alinhavo o vestido enquanto planejo. Costura francesa, sem linha aparente. Será súbito. E perfeito.
Escondo o tecido manchado e bato o ponto, sorrindo. Pela primeira vez, me sinto feliz.