Para sempre Cinderela


Selda Pessoa

Sempre tive receio de ler as versões originais dos contos de fadas, especialmente das princesas da Disney. Porque amava sua magia e não queria me desfazer dela. Cresci me inspirando nessas garotas fortes, bondosas, resilientes - e que vivem lindos finais felizes.

Mas minha curiosidade é quase sempre maior que meus medos, e um livro lindo (Contos de Fadas em suas versões originais) me motivou a arriscar. Comecei com Cinderela, e ler a versão original desse conto tão conhecido reforçou minha crença: o poder das mulheres vem das mulheres.

Sobre a encantadora versão da Disney, não sabemos como foi a vida dessa princesa depois do “felizes para sempre”, embora seja claro que ela mudou para outro castelo e passou a ser cuidada por um príncipe, e não mais pela madrasta. Torci sempre para que ela não tenha se tornado apenas uma gata borralheira com maior conforto, joias e roupas mais bonitas. Mas de uma coisa sempre tive certeza: quem a salvou não foi o príncipe. Quem salvou Cinderela foi a boa e velha Fada Madrinha.

Foi essa senhora que apareceu na vida da jovem e, da sua forma musical e atrapalhada, disse para ela: “Pare de chorar, se levante, fique linda e vá atrás do que quer”. Ela mostrou que abóbora poderia se transformar em carruagem e ratos em cavalos (amigos ajudam), desde que ela reconhecesse sua força e beleza, tivesse coragem de acreditar em si mesma e de ir para onde quisesse. E com apoio e inspiração dessa mulher, a gata borralheira se fez Cinderela, mostrou ao mundo que não era apenas uma criada e se tornou princesa.

Na história original não existia fada madrinha. E o pai não morreu, ele estava lá o tempo todo, mas não salvou Cinderela, que dormia nas cinzas ao lado da lareira e por isso tinha esse apelido (Cinder – borralho em Inglês, sinônimo de cinzas). Afinal, a mulher era responsável pela casa e pelos filhos, e Cinderela ficava aos cuidados da madrasta. O pai aparentemente a amava, mas também a via como uma frágil gata borralheira. Cinderela buscou forças para se livrar da situação que vivia no túmulo de sua mãe, onde rezava todos os dias e recebia energia e inspiração através dos pássaros. Foi assim que ela conseguiu as roupas para ir durante três dias ao festival em que o príncipe se apaixonou por ela.

Também torço para que nessa versão ela tenha se mantido livre em seu novo castelo, e que o príncipe tenha sido sempre amoroso e gentil. Mas me tranquiliza pensar que ela contava com a força da mulher anterior a ela, que poderia buscar sempre que quisesse. Se um dia ela teve problemas em sua vida de princesa, com certeza voltou ao túmulo de sua mãe ou rezou para ela, e foi ajudada pelos pássaros.

Na versão original, Cinderela sabia que para se libertar dependia dela mesma e pedia ajuda em oração para sua mãe, diferente da versão moderna, em que a fada apareceu magicamente. Mas nas duas versões a jovem foi apoiada e inspirada por outra mulher.

Tendo a querer “interpretar psicologicamente” que tanto a mãe como a fada são forças internas da própria princesa, que ela apenas descobriu ou acessou. Isso me deixaria no lugar cômodo de entender que cada mulher precisa sozinha encontrar seu caminho, e que nada me cabe fazer. Mas não acredito nisso. Mulheres podem sim ajudar outras mulheres a encontrar o que ainda não encontraram, em si mesmas ou no contexto em que vivem.

“Sororidade: É a aliança entre mulheres na busca de objetivos em comum. É não ser livre enquanto outra mulher for prisioneira, mesmo que as correntes dela sejam diferentes das suas”.

Que possamos entender nossas dificuldades e compreender nossas diferentes escolhas, todas elas, sem julgá-las. Mas, acima de tudo, que ajudemos umas às outras a sermos fortes e livres, conscientes da nossa responsabilidade de construir uma realidade melhor para todas as mulheres, mesmo que em nossa vida individual esteja tudo indo bem. Que nos apoiemos e inspiremos. Para sempre, como a personagem que com ajuda de poderes femininos, se fortaleceu e venceu. Para sempre Cinderela.

voltar

Selda Pessoa

E-mail: selda.pessoa@icloud.com

Clique aqui para seguir esta escritora


Site desenvolvido pela Editora Metamorfose