A moça e o gato


Selda Pessoa

A moça entrou na casa pequena, com varanda espaçosa, de onde se via a praia entre dois grandes morros. Como prometeu o anúncio. Chegou a tempo de contemplar o pôr do sol, tomando uma taça de chardonnay gelado.

A imagem da aliança, deixada em frente ao porta-retratos, ficava mais distante a cada gole diante da vista daquele mar, até quase desaparecer quando a moça dormiu, ao barulho das ondas. Ao levantar, abriu a porta do quarto que dava para a varanda, já sentindo o cheiro do café que ainda iria coar. Foi quando avistou o gato.

Recuou, assustada. O gato permaneceu tranquilo no parapeito da varanda, olhando para ela como se tivesse avisado que viria. Era negro e fosco, um preto estranho, falhado. Tinha olhos amarelos que a olhavam como se enxergassem todos os medos esmagados pela escolha de estar ali. A moça não enxotou o animal. Fez o café, esquentou o pão e derreteu a manteiga.

O gato pulou para o chão e começou a trançar nas pernas da moça, miando e ronronando. Ela lhe deu leite e ele voltou para o parapeito, onde via do alto o mar e a casa. A moça escolheu a casa pela vista e encontrou o gato. O gato escolheu a moça pela casa e encontrou a vista.

Ela vestiu o biquíni, se enrolou na canga e desceu as longas escadas até a praia vazia. Se aconchegou sob o sol quente do inverno, tomou água de coco fresca. O mar estava calmo, disponível para quem precisava se curar. Ao voltar, lá estava o gato, observando e admirando tudo, até o seu susto.

O gato a perseguia com os olhos quando estava em casa. À noite a moça tinha o vinho, o livro e o gato. Se incomodou quando ele se aninhou pela primeira vez no seu colo. Depois, já esperava o gato para abrir o livro. O gato a aguardava toda manhã na varanda. A moça tinha seus momentos de solitude durante a praia e ao dormir. Nos outros a moça tinha o gato, e o gato tinha a moça.

Chegou o dia da nova moça voltar para sua antiga vida reformada. O gato já era mais gordo e mais calmo. Ela fechou as malas e o felino saltou do parapeito da varanda, dessa vez para o telhado. E, caminhado sem pressa, desapareceu.

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Selda Pessoa

E-mail: selda.pessoa@icloud.com

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